segunda-feira, 23 de abril de 2012

Abraço


"Quando leio há uma voz que lê dentro de mim. Paro o olhar sobre o texto impresso, mas não acredito que seja o meu olhar que lê. O meu olhar fica embaciado. É essa voz que lê. Quando é séria, ouço-a falar-me de assuntos sérios. Às vezes, sussurra-me. Às vezes grita-me. Essa voz não é a minha voz. Não é a voz que, em filmagens de festas de anos e de natais, vejo sair da minha boca, do movimento dos meus lábios, a voz que estranho por, num rosto parecido com o meu, não me parecer minha. A voz que ouço quando leio existe dentro de mim, mas não é minha. Não é a voz dos meus pensamentos. (...)

Talvez já tenhas percebido que eu não sou eu. Eu sou a própria voz que ouves quando lês. Hoje, pela primeira vez, quero falar directamente contigo. Quero dizer que existo nestas palavras. Através delas, quero apenas dizer-te que existo. Estou aqui. As palavras que te digo desde que aprendeste a ler, a ouvir-me, são o meu corpo. Eu sou todas essas palavras. Sou as palavras que deixei dentro de ti e que sabes de cor. Sou as palavras que esqueceste..."

terça-feira, 27 de março de 2012

Pedro e Inês


A versão portuguesa de "Romeu e Julieta": A história de Inês de Castro. Uma história de amor enraizada na nossa História, retomada na literatura de forma singular.
A última versão remete-nos para o texto de Miguel Jesus Inês morre. Uma perspetiva diferente, audaciosa interpretada pelo Teatro "O Bando" de forma genuína. Tive a sorte de ter uma amiga como a Verónica que me desafiou para uma das sessões no Centro Cultural de Belém, em junho de 2011. Juntas assistimos a uma peça com um elenco fenomenal onde a sensualidade, o humor, a poesia, o horror se misturam...
Este espetáculo integrou as comemorações da trasladação de D. Inês de Castro de Coimbra para Alcobaça e esteve presente no TMG em Maio de 2011.

O primeiro poema...

Relembro uma aula de Língua Portuguesa do 9º ano. Em 93? 94? Inconscientemente este dia ficou gravado na minha memória. Um grupo de colegas e amigos apresentaram à turma um poeta: Eugénio de Andrade, um poema: Adeus. Tenho a certeza que o Daniel e a Regina faziam parte do grupo. A eles lhes devo o primeiro grande poema... com ele despertei para a poesia.


Adeus


Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mão à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
e eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...,
já se não passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.


segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

De Joaquim Pessoa...

A Ana apresentou-me este poeta porque na sua opinião há poemas deste autor passíveis de serem escutados em dias de casamento... :) Do Barreiro para a Beira, um registo fabuloso.

Decidi, finalmente, começar um "Abraço" de JLP, eis que me cruzo com este texto.




Abraça-me


Abraça-me. Quero ouvir o vento que vem da tua pele, e ver o sol nascer do intenso calor dos nossos corpos. Quando me perfumo assim, em ti, nada existe a não ser este relâmpago feliz, esta maçã azul que foi colhida na palidez de todos os caminhos, e que ambos mordemos para provar o sabor que tem a carne incandescente das estrelas. Abraça-me. Veste o meu corpo de ti, para que em ti eu possa buscar o sentido dos sentidos, o sentido da vida. Procura-me com os teus antigos braços de criança, para desamarrar em mim a eternidade, essa soma formidável de todos os momentos livres que a um e a outro pertenceram. Abraça-me. Quero morrer de ti em mim, espantado de amor. Dá-me a beber, antes, a água dos teus beijos, para que possa levá-la comigo e oferecê-la aos astros pequeninos.
Só essa água fará reconhecer o mais profundo, o mais intenso amor do universo, e eu quero que delem fiquem a saber até as estrelas mais antigas e brilhantes.
Abraça-me. Uma vez só. Uma vez mais.
Uma vez que nem sei se tu existes.

in 'Ano Comum'

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Uma estrada


Já o disse tantas vezes e ainda assim não me canso de o dizer: na falta de cumprir determinados objetivos alcançam-se outros.
Vivo bem perto da Serra da Estrela. Trago comigo os genes de gerações que calcorrearam os montes e vales desta preciosidade do interior de Portugal.
É a casa dos meus avós situada no coração da serra que me leva ao encontro com esta natureza. Levo a minha melhor companheira de sempre e juntas traçamos um percurso: Loriga-Torre-Guarda.

Quarta-feira de manhã, um belo dia de sol. Saio de Loriga a pedalar. Até à Portela de Arão, passo por dois grupos de seniores que sabem aproveitar tanto o tempo como a beleza matinal para colocar a conversa em dia, ou talvez não...

Um "bom dia" desperta-lhes a atenção. Afinal nunca caminhamos sozinhos, há sempre quem nos acompanha de maneira diferente e quando menos esperamos mostra-se. Continuo o meu caminho, a minha estrada. Comigo levo sempre a minha família, os meus amigos, aqueles com quem estive recentemente, aqueles que espero reencontrar, aqueles de quem tenho saudades... e nisto as minhas pernas começam a fraquejar. Olho em frente, para o cimo da serra, para o ponto que justamente terei de atravessar... será melhor continuar a refletir olhando para a estrada, para os lados, para a beleza da serra, aproveitar bem o caminho, como se fosse a primeira e a última vez.

De repente... "Conseguirei chegar? Coragem... estou apenas a começar :)".



Faço a primeira paragem. Não tenho noção de que ainda estou apenas a meio... olho para o percurso já feito. Olho para trás, mas não quero mudar nenhum segundo do que fiz. Poderia ter gerido o esforço de outra maneira? Sim, mas a ansiedade não permitiu. Poderia esperar por outra preparação física para subir mais facilmente? Sim, mas achei que era o momento certo para o fazer. Cometer erros é aprender. E, afinal, as condições climatéricas estão a ajudar. Não me arrependo. Afinal olhar para trás, traz-me mais força para olhar novamente até ao cimo da serra. A estrada é sinuosa, por vezes difícil, por vezes fácil. Depois de superados, olho para os obstáculos com outro valor.

Quando menos espero, encontro a rotunda da estrada que liga Seia à Torre. Penso que os 5 quilómetros que restam me levam à Torre num instante... mentira... mas nunca mais chego?!?!?!

Eis, por fim, que alcanço o meu objetivo, o primeiro objetivo do dia. Sou recebida por um amigo canino com quem partilho a minha sandes do almoço. Feliz, não guardo apenas para mim a felicidade. As novas tecnologias permitem-me telefonar, enviar mensagens desde o ponto mais alto de Portugal Continental. Falta agora o segundo objetivo: chegar à Guarda.



O mais fácil vem aí. Acredito que somos sempre compensados pelo que sofremos. Uns tantos quilómetros sempre a descer, estou em Manteigas. Outros tantos e chego a Valhelhas, avisto umas asas no ar, penso que chegou finalmente a oportunidade de fazer novo bilugar, desta vez na Serra da Estrela, mas o amigo Paulo Coelho já estava nas arrumações.

O que parece ser menos difícil, não o é. A partir de Famalicão da Serra o esforço foi redobrado. Chego a Vale de Estrela, com a noção de um mais uma conquista feita. Passo pelo centro da cidade mais alta, mais uns poucos quilómetros a descer e estou em casa. Finalmente.

Vale a pena experimentar, vale a pena arriscar, mesmo que pareça inalcançável. Se alguém nos deu a oportunidade de viver, então façamos dela uma estadia única. Que o arrependimento chegue, apenas pelo que não foi feito. Haverá sempre falhas, corremos sempre riscos, mas nada acontece por acaso. Por mais difícil que seja entender, há sempre uma explicação. Viver e aprender.
Carpe diem.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

União Ibérica!?


Na música é possível. Uma fadista portuguesa, um cantor espanhol. Juntos cantam ao som da guitarra portuguesa, com um cenário magnífico no vídeo oficial.

Uma sugestão em português e em espanhol:

Vídeo Perdóname, versão em português.



A una amistad que empezó en español.
Sanni, saudades....

segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Porta Aberta

Para iniciar este novo ano, uma homenagem ao FADO, agora Património Imaterial da Humanidade. Que tenhamos sempre a Porta Aberta para dar e receber... o tempo encarregar-se-á de destruir o mal que chega, sem avisar.

Porta Aberta

Entraste em minha casa de mansinho
P’la porta que te abri de par em par
E juntos começámos um caminho
Que não sabemos bem onde vai dar

Ao peito levo a rosa que trazias
Tingida pelo sangue dos teus dedos
E agora, p’ra não ires de mãos vazias
Eu tenho de abrir mão dos meus segredos

Não sei por quanto tempo ficaremos
No espaço que inventámos p’ra nos ter
Não sei sequer ao certo o que sabemos
Mas sei que não preciso de saber

E um dia, à despedida, queira Deus
Que eu possa partir sem dizer nada
E tu possas dizer, em vez de adeus
Obrigada, meu amor, muito obrigada

Letra: Luís Viana
Música: José Mário Branco (Fado Pombal)

(in www.camane.com)